quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Jornal ViverSports entrevista Paulo Henrique Azevêdo – Os jovens gestores são salvação para esporte brasileiro


Paulo Henrique sendo entrevistado pela jornalista Kátia Sleide, do jornal ViverSports.
Recentemente, o Ministério do Esporte divulgou o Diagnóstico Nacional do Esporte (DIESPORTE), que levantou o perfil do praticante de esporte ou atividade física, as fontes de financiamento para o esporte, a infraestrutura e gestão do esporte, assim como a legislação esportiva federal, estadual e municipal. O Grupo de Pesquisa Gestão e Marketing da Educação Física, Saúde, Esporte e Lazer (Gesporte) participou do trabalho com o estudo sobre legislação esportiva. As informações podem ser acessadas no site www.esporte.gov.br/diesporte.
O Gesporte funciona no Centro Olímpico da UnB, coordenado por Paulo Henrique Azevêdo, professor associado da UnB, doutor em Ciências da Saúde e mestre em Administração. Ele é membro fundador e integrante da Comissão Científica da Associação Brasileira da Gestão do Esporte – ABraGEsp; e membro de Notório Saber Esportivo do Conselho de Educação Física, Desporto e Lazer do Distrito Federal – CONEF-DF.
Em entrevista ao jornal ViverSports, Paulo Henrique Azevêdo fala sobre o futuro esportivo do Brasil; como as lideranças podem se aproximar da universidade em busca de melhoria no setor; gestão esportiva; políticas públicas para o esporte, dentre outros assuntos de grande relevância.
Você acredita na gestão do esporte como solução para o setor no Brasil?
Acredito nos homens. A gestão do esporte, tal com é desenvolvida no Brasil, já percebemos e comprovamos que não deu certo. Tanto as pessoas quanto os modelos de gestão que utilizaram no ambiente esportivo não suficientes para atenderem às necessidades. Está fracassado. Observa-se uma presença muito baixa de Brasília no cenário esportivo. Diria que Brasília, pelo povo, sim, possui prática esportiva como grande referência, porque não depende de dirigentes; a prática esportiva vem de cada um. Tanto é que Brasília é a cidade com o maior número percentual de praticantes de esporte no Brasil.
Ocorre que quando entramos na seara da organização de modalidades esportivas, percebemos uma deficiência significativa. Esse modelo já está esgotado. Essas pessoas, mesmo com muito boa vontade de algumas delas, não têm condição de estarem à frente desses organismos e não conseguem fazer com que o esporte avance.
Entrevista feita no Laboratório GESPORTE, Dr. Paulo Henrique e Kátia Sleide.
 O que você acha que deve ser feito para mudar essa realidade?
Acredito na mudança pelos jovens, porque eles não possuem os vícios existentes nessas organizações. Mas, para isso, é preciso cuidar da qualificação e nossa intenção, desde 2008, sempre foi formar nossos jovens para atuarem no ambiente esportivo e dar uma resposta que a sociedade se orgulhe, que veja os bons resultados. Mesmo que não venhamos a ter um grande desempenho nas modalidades esportivas num primeiro momento, será relevante percebermos que as federações estejam bem geridas, propiciando o crescimento saudável do esporte do Distrito Federal.
Formamos gestores que continuam ligados ao ambiente esportivo e prestam serviços relevantes para a sociedade de Brasília. Temos um exemplo, o Vinicius Lima, que trabalha com pessoas com deficiência e que praticam esporte, mesmo com os graves problemas que eles têm. Ele é um gestor qualificado, preparou-se por quase dois anos no Gesporte e é referência. Temos outros gestores que dão suporte a projetos importantes no Ministério do Esporte, que são muito preparados. Então, nossa expectativa é a de que possamos contribuir, apesar de não dispormos de estrutura para capacitar um número expressivo de gestores, porque o laboratório é pequeno, mas qualitativamente intervimos para que o profissional se prepare e dê à sociedade a resposta que necessita.
O Gesporte está aberto à comunidade esportiva?
O laboratório trabalha de maneira aberta, mas muitas vezes as pessoas não sabem e também há as que têm receio de se aproximar da universidade. Elas pensam que a universidade não é para elas, quando na verdade, o laboratório trabalha para a sociedade. Apenas os professores são servidores da universidade e os demais integrantes são voluntários, estagiários (acadêmico e administrativo), alunos de cursos de pós-graduação. Então, não temos ninguém fixo, mas funciona o tempo todo, em horário pleno. No Gesporte as se engajam e sabem que, apesar das dificuldades, têm de fazer funcionar e isso faz parte da formação. Somos um laboratório dentro de uma universidade; não temos CNPJ, mas aqui a atuação é como se tivéssemos uma empresa prestando serviços dentro da Universidade de Brasília.
Trabalhamos para que todos os jovens que aqui estão recebam um tratamento aos moldes de uma empresa convencional. Se você conversar com qualquer um dos integrantes, ele vai dizer que passou por mudanças essenciais em sua atuação profissional. É nítida a transformação profissional. Nossa formação aqui não é com aulas formais, mas no contexto empresarial. Os participantes do Gesporte participam de tudo que acontece e já participaram de reuniões com secretário de Esporte, com altos dirigentes do Sesc, com empresários importantes do mercado esportivo. Eles intervêm, fazem suas colocações, têm respeitadas suas posições. Todos também fazem qualquer tipo de atividade para garantirem o pleno funcionamento do laboratório. Por isso, têm muito valor em tudo que é feito. Fomentamos a cidadania, a qualificação, o respeito ao próximo, e o gosto de viver bem o ambiente de trabalho.
Trabalhamos para que tenhamos tudo funcionando, com o melhor ambiente possível. E só funciona se for desse jeito e todos os integrantes aderem plenamente.
Marcelo Teles, Paulo Henrique Azevêdo e Alexsander Gomes de Azevedo.
Como é a procura dos profissionais do esporte pelos serviços do laboratório?
Nós formamos, mas não na mesma proporção quantitativa das demandas do mercado. Recebemos várias pessoas de inúmeras outras instituições e instituições de ensino superior do DF, como da Universidade Católica, do UniCEUB e tantas outras. Na medida em que vão sabendo do nosso projeto, aproximam-se de maneira tímida, mas vão chegando. Antes, alguns podiam até pensar que a UnB não era para eles, mas a gente modifica essa maneira de raciocionar. Ressalte-se que são pessoas de altíssima qualidade.
Presidentes de federações, ligas e de outras entidades esportivas podem usufruir dos serviços do Gesporte?
Podem, desde que tenham um projeto a ser desenvolvido e que esteja dentro dos princípios da universidade. Temos que avaliar a relevância e caso esteja de acordo com as nossa práticas, elaboramos um projeto de extensão e o desenvolvemos. Por exemplo, o único curso de arbitragem de futebol fora dos braços da federação de campo foi ministrado por nós. Começou em 2009 e terminou em janeiro de 2010, com 430 horas. Na época recebi uma carta de Joseph Blatter, presidente da Fifa, dizendo que pensava sempre cursos para árbitros em todo o mundo nos moldes que fizemos em Brasília. Nesse curso oferecemos disciplinas não somente voltadas à arbitragem, tivemos sociologia do esporte; gestão de carreira; direito esportivo; e outras, que foram ministradas por professores doutores da Universidade de Brasília, além de termos trazido os importantes árbitros e ex-árbitros do Brasil. Tivemos um rigoroso estágio prático, por observarmos que em muitos cursos o aluno faz estágio no campo e o seu supervisor não está presente para orientá-lo nesse processo. Como você faz um estágio e não tem ninguém para orientar? No curso que realizamos isso era minuciosamente seguido, com orientação, observação. Concluímos o curso e todos os formados saíram com uma vantagem muito grande em relação aos que foram formados no modelo convencional e vários estão atuando em nível nacional, e mais, com uma formação profissional. Para entrarem, eles fizeram um “mini-vestibular”, com provas física e escrita.
O curso teve o reconhecimento de alguma federação?
O curso foi feito em parceria com a Federação Brasiliense de Futebol (FBF). Tínhamos de ter essa autorização e precisávamos desse experiência inicial. Tivemos que mostrar que o ideal era fazer daquela maneira. A federação nos procurou, desenvolvemos esse projeto e fizemos acontecer. Foi muito trabalhoso, porque já existia toda aquela carga da cultura do futebol e tivemos que modificar, como, por exemplo, a cultura do "jeitinho". Aqui o curso foi levado muito a sério: Passou, passou. Não passou, não passou.
É complicado lidar com os gestores que aí estão?
Acabar com os vícios desse modelo de gestão que ainda prevalece em nosso meio esportivo é difícil. Por isso é que tenho esperança nos jovens. Às vezes, a pessoa é até bem intencionada, mas se perde no meio dessa maneira com que o esporte é gerido. Ele tenta fazer o correto, mas não consegue. Já recebi pessoas aqui que querem adotar as boas práticas, mas há situações em que, primeiro, eles não têm qualificação profissional para tal; segundo, nesse ambiente que é muito mais político que gerencial, eles não conseguem obter êxito nas decisões.
Como você vê o Boleiros, programa executado pela Secretaria de Esporte, que custeia a arbitragem dos campeonatos amadores do DF?
O programa Boleiros foi criado para atender uma demanda de interesses de determinados grupos ligados ao futebol. Às vezes, aceitamos uma ideia porque consideramos uma boa iniciativa e chegamos a dar apoio para ela acontecer. Só quando está em execução percebemos os erros. Se o Boleiros virar uma lei, esse recurso estará garantido somente para esta atividade e a comunidade perderá o direito de usar esse financiamento para ações muito mais relevantes no ambiente esportivo.
No início de 2015 a Secretaria de Esporte realizou uma audiência pública, no estádio Mané Garrincha, e eu fiquei abismado com uma situação. Uma pessoa se apresentou como o responsável pela realização de competições de tênis no Iate Clube e falou absurdos, porque não haveria recursos públicos para realizar esses campeonatos. Uma pessoa realiza evento em um local elitista, que não permite acesso à população em geral e tudo isso utilizando financiamento público? Não dá pra entender. Isso não é obrigação da Secretaria de Esporte e ela faz muito bem em não atender.
Para você, como deveria ser?
O Ministério do Esporte fez em 2013/2014 um diagnóstico do esporte brasileiro, cujo resultado começou a ser divulgado. Mais da metade da população brasileira não pratica esporte algum. Só que essa visão é nacional. Como aplico isso no Piauí? Eu tenho os dados do Piauí, mas são dados muito genéricos. Não são dados que permitam a alguém desenvolver uma política pública para o esporte naquela região. Portanto, acredito que o diagnóstico é algo muito importante para começar o processo de gestão do esporte.
Assim, precisamos começar a fazer aqui em Brasília um diagnóstico do esporte específico de nossa capital. Quem financia o esporte no DF? Quais são os passos, os requisitos, as normas para obter financiamento? Quais as instalações esportivas que temos no DF? Como é a acessibilidade dessas áreas? Quem gerencia? Está disponível para a comunidade utilizar? Qual a infraestrutura que temos, até mesmo para construir novos espaços para a prática de esportes? Se não existe um parquinho para as crianças brincarem, para estimular o movimento, como podemos querer que essas pessoas se interessem pelo esporte, que venham praticar, que tenham suas vidas voltadas a atitudes saudáveis, do movimento humano?
Danilo Figueredo, Kátia Sleide, Paulo Henrique Azevêdo, Alexsander Gomes de Azevedo.
Existem políticas públicas para o esporte?
Existem os interesses, mas políticas públicas não há, porque para se caracterizar como políticas públicas elas têm de ter todo um respaldo social. Para isso, entendo que cada estado deveria iniciar realizando um diagnóstico específico. Brasília, por exemplo, pode fazer seu diagnóstico baseado no diagnóstico nacional. Aproveitaria muita coisa. Diagnóstico é algo muito barato de ser feito e aponta a direção a ser seguida no desenvolvimento do esporte em uma sociedade.
Como surgiu essa ideia do diagnóstico?
Se eu não souber o que acontece no esporte do DF, não tenho como desenvolver políticas públicas. Nós trabalhamos no diagnóstico do esporte nacional. Há alguns anos converso com o Roberto Correia, que é outro profissional da área de educação física, presidente do Instituto de Desenvolvimento do Esporte – iGesporte, que as coisas acontecem e a gente não sabe como. Falávamos muito do diagnóstico. O primeiro foi realizado pelo professor Lamartine Pereira DaCosta, em 1971. Naquela época, ele fez um trabalho fantástico, fenomenal. Ele não tinha computador, não tinha nada. Tudo foi feito à mão, com calculadora manual. Os gráficos eram feitos com régua, medido em centímetro para fazer uma curva. Fez e foi importantíssimo o trabalho que desenvolveu. Foi inspirador para essas pessoas que decidiram por um novo diagnóstico.
Em um dado momento, ouvimos falar que o governo brasileiro atual iria fazer um diagnóstico do esporte. Pensei: estão lendo nossos pensamentos. Ficamos sabendo que um dos editais era sobre legislação esportiva. Os demais não ficamos sabendo, porque tem uns editais que aparecem e ninguém fica sabendo. Concorremos por meio do iGesporte e vencemos a licitação. Realizamos o trabalho relacionado à legislação esportiva brasileira e entregamos o relatório final ao Ministério do Esporte. Com as contribuições desse estudo está sendo construído o Sistema Nacional de Esporte e que será encaminhado à Câmara Federal como um projeto de lei para aprovação. Demos nossa contribuição, porque acreditávamos no diagnóstico muito antes de acontecer esse agora
Não conversamos o diagnóstico do esporte a partir desse que aconteceu. Fizemos questão de querer participar porque sempre acreditamos nisso. E depois que atuamos, com os resultados que obtivemos, mais ainda. A gente acha que, a partir do diagnóstico brasileiro, cada estado tem de fazer um diagnóstico e cada município faz o seu baseado no estadual. Se fizermos isso, aí, sim, o esporte no Brasil pode um dia ser de alto nível. Todo mundo saberia o que está acontecendo no Esporte, o que se deve mudar ou ser mantido. Existem lugares no Brasil em que o esporte está muito bem.
Como as lideranças esportivas podem usar o Gesporte?
Explorem as possibilidades que a universidade oferece à sociedade. A UnB está aqui para isso. Fizemos um curso de técnicos para sete países, com respaldo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Tínhamos que ter esse respaldo e a garantia que o curso iria até o final. Mas o que eles queriam fazer era cobrar a mensalidade de cada um que fizesse o curso e esse valor alimentaria o custo do evento. Só que aí, alguns atrasam, não pode pagar, e tudo desanda. Isso não pode ser assim. Eles arrumam tanto dinheiro para fazer um monte de atividades sem nexo e querem cobrar dos que querem se capacitar. Está errado. Isso deveria ser uma ação social das federações. Uma solução é a parceria com a iniciativa privada. A seleção dos candidatos deve ser feita pela UnB, pois isso não permite que entre uma pessoa que não tem condições, mas por "indicação".
Existe custo para se promover esse tipo de preparação?
Sim. Tem um custo. É mais barato, porque a universidade é pública, mas tem um custo, porque a Universidade de Brasília não possui recursos para essas atividades. Mesmo com preço reduzido, essas instituições que necessitam desses serviços não querem cobri-los. O que aconteceu no curso de árbitro que fizemos? Foi uma ingenuidade minha, porque nunca havia feito isso, então eu aceitei. Instrutores de futebol e ex-árbitros não participam gratuitamente, eles têm de receber pagamento, o que é correto. Somente os professores da UnB trabalharam nesse sem receberem e deram a sua colaboração fora do expediente. Mas houve atrasos e a gente teve dificuldades de pagar um profissional que veio de fora. Não pode ser assim! E a federação dizia que não tinha dinheiro. A partir de então não realizamos projetos para essas organizações se não houver garantia do recurso, que é insignificante. Fazendo pela UnB, conseguimos reduzir uma série de custo. Sem falar no quanto valoriza a federação, porque é a UnB, possui chancela de valor.
Para você, a mudança está nas mãos dos jovens?
Os problemas só serão minimizados se a questão técnica for bem resolvida. Minha expectativa é que quando a "meninada" que estamos formando estiver na posição de tomar as decisões, a situação comece a melhorar. Se a gente não formar profissionais para mudarem o que já está aí, não evoluiremos. Somente com o tempo vamos conseguir mudar isso.
Esse modelo atual está acabado. Não é só no futebol. A gente fala de futebol, porque recebe mais recurso. Algumas federações estão com problemas legais imensos e até criam uma nova instituição para resolver sua situação. A cultura do jeitinho é que estraga. Só que essas organizações não conseguirão patrocínio público ou empresarial sem conseguirem resultados esportivos expressivos. No Brasil existe uma exceção de clube que não possui bons resultados atualmente, mas tem patrocínio compatível com as suas necessidades. O São Caetano, cujo time está na Série D do futebol, tem patrocínio, é clube empresa, é superavitário e o proprietário recebe dividendos do seu investimento. Temos muito interesse em fazer um estudo com esse agremiaçãoA gestão qualificada, permite o cumprimento dos compromissos e gera lucro para a empresa (o clube). Isso é um bom exemplo, pois o modelo de gestão dos clubes esportivos sociais comprovadamente não produz resultados positivos. O São Caetano possui passivo trabalhista reduzido, paga atletas e funcionários em dia. No caso do Brasil pode ser considerado uma excepcionalidade.
Veja a entrevista na íntegra no site www.viversports.com.br
ViverSports • Brasília, quarta-feira, 28 de outubro de 2015 • Jornalista Kátia Sleide

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