Paulo Henrique sendo entrevistado pela jornalista Kátia Sleide, do jornal ViverSports. |
Recentemente,
o Ministério do Esporte divulgou o Diagnóstico Nacional do Esporte
(DIESPORTE), que levantou o perfil do praticante de esporte ou
atividade física, as fontes de financiamento para o esporte, a
infraestrutura e gestão do esporte, assim como a legislação
esportiva federal, estadual e municipal. O Grupo de Pesquisa Gestão
e Marketing da Educação Física, Saúde, Esporte e Lazer (Gesporte)
participou do trabalho com o estudo sobre legislação esportiva. As
informações podem ser acessadas no site
www.esporte.gov.br/diesporte.
O
Gesporte funciona no Centro Olímpico da UnB, coordenado por Paulo
Henrique Azevêdo, professor associado da UnB, doutor em Ciências da
Saúde e mestre em Administração. Ele é membro fundador e
integrante da Comissão Científica da Associação Brasileira da
Gestão do Esporte – ABraGEsp; e membro de Notório Saber Esportivo
do Conselho de Educação Física, Desporto e Lazer do Distrito
Federal – CONEF-DF.
Em
entrevista ao jornal ViverSports, Paulo Henrique Azevêdo fala sobre
o futuro esportivo do Brasil; como as lideranças podem se aproximar
da universidade em busca de melhoria no setor; gestão esportiva;
políticas públicas para o esporte, dentre outros assuntos de grande
relevância.
Você
acredita na gestão do esporte como solução para o setor no Brasil?
Acredito
nos homens. A gestão do esporte, tal com é desenvolvida no Brasil,
já percebemos e comprovamos que não deu certo. Tanto as pessoas
quanto os modelos de gestão que utilizaram no ambiente esportivo não
suficientes para atenderem às necessidades. Está fracassado.
Observa-se uma presença muito baixa de Brasília no cenário
esportivo. Diria que Brasília, pelo povo, sim, possui prática
esportiva como grande referência, porque não depende de
dirigentes; a prática esportiva vem de cada um. Tanto é que
Brasília é a cidade com o maior número percentual de praticantes
de esporte no Brasil.
Ocorre que quando entramos na seara da
organização de modalidades esportivas, percebemos uma deficiência
significativa. Esse modelo já está esgotado. Essas pessoas, mesmo
com muito boa vontade de algumas delas, não têm condição de estarem à frente desses organismos e não conseguem fazer com que
o esporte avance.
Entrevista feita no Laboratório GESPORTE, Dr. Paulo Henrique e Kátia Sleide. |
O
que você acha que deve ser feito para mudar essa realidade?
Acredito
na mudança pelos jovens, porque eles não possuem os vícios
existentes nessas organizações. Mas, para isso, é preciso cuidar
da qualificação e nossa intenção, desde 2008, sempre foi formar
nossos jovens para atuarem no ambiente esportivo e dar uma resposta
que a sociedade se orgulhe, que veja os bons resultados. Mesmo que
não venhamos a ter um grande desempenho nas modalidades esportivas
num primeiro momento, será relevante percebermos que as federações
estejam bem geridas, propiciando o crescimento saudável
do esporte do Distrito Federal.
Formamos
gestores que continuam ligados ao ambiente esportivo e prestam
serviços relevantes para a sociedade de Brasília. Temos um
exemplo, o Vinicius Lima, que trabalha com pessoas com deficiência e
que praticam esporte, mesmo com os graves problemas que eles têm. Ele é um gestor qualificado, preparou-se por quase dois anos
no Gesporte e é referência. Temos outros gestores que dão suporte a projetos
importantes no Ministério do Esporte, que são muito preparados.
Então, nossa expectativa é a de que possamos contribuir, apesar de não
dispormos de estrutura para capacitar um número expressivo de
gestores, porque o laboratório é pequeno, mas qualitativamente
intervimos para que o profissional se prepare e dê à sociedade a
resposta que necessita.
O
Gesporte está aberto à comunidade esportiva?
O
laboratório trabalha de maneira aberta, mas muitas vezes
as pessoas não sabem e também há as que têm receio de se
aproximar da universidade. Elas pensam que a universidade não é
para elas, quando na verdade, o laboratório trabalha para a
sociedade. Apenas os professores são servidores da universidade e os demais
integrantes são voluntários, estagiários (acadêmico e
administrativo), alunos de cursos de pós-graduação. Então, não
temos ninguém fixo, mas funciona o tempo todo, em horário pleno.
No Gesporte as se engajam e sabem que,
apesar das dificuldades, têm de fazer funcionar e isso faz parte da
formação. Somos um laboratório dentro de uma universidade; não
temos CNPJ, mas aqui a atuação é como se tivéssemos uma empresa
prestando serviços dentro da Universidade de Brasília.
Trabalhamos
para que todos os jovens que aqui estão recebam um tratamento aos
moldes de uma empresa convencional. Se você conversar com qualquer um dos integrantes, ele vai dizer que passou por
mudanças essenciais em sua atuação profissional. É nítida a transformação profissional. Nossa formação aqui não é com aulas formais, mas no
contexto empresarial. Os participantes do Gesporte participam de tudo que acontece e já
participaram de reuniões com secretário de Esporte, com altos
dirigentes do Sesc, com empresários importantes do mercado esportivo. Eles intervêm, fazem suas
colocações, têm respeitadas suas posições. Todos também fazem
qualquer tipo de atividade para garantirem o pleno funcionamento do laboratório. Por isso, têm muito valor em tudo que é feito. Fomentamos a
cidadania, a qualificação, o respeito ao próximo, e o gosto de
viver bem o ambiente de trabalho.
Trabalhamos
para que tenhamos tudo funcionando, com o melhor ambiente possível.
E só funciona se for desse jeito e todos os integrantes aderem
plenamente.
Marcelo Teles, Paulo Henrique Azevêdo e Alexsander Gomes de Azevedo. |
Como
é a procura dos profissionais do esporte pelos serviços do
laboratório?
Nós
formamos, mas não na mesma proporção quantitativa das demandas do
mercado. Recebemos várias pessoas de inúmeras outras instituições
e instituições de ensino superior do DF, como da Universidade Católica, do
UniCEUB e tantas outras. Na medida em que vão sabendo do nosso projeto, aproximam-se
de maneira tímida, mas vão chegando. Antes, alguns podiam até
pensar que a UnB não era para eles, mas a gente modifica essa maneira
de raciocionar. Ressalte-se que são pessoas de altíssima qualidade.
Presidentes
de federações, ligas e de outras entidades esportivas podem
usufruir dos serviços do Gesporte?
Podem,
desde que tenham um projeto a ser desenvolvido e que esteja dentro
dos princípios da universidade. Temos que avaliar a relevância e caso
esteja de acordo com as nossa práticas, elaboramos um projeto de
extensão e o desenvolvemos. Por exemplo, o único curso de
arbitragem de futebol fora dos braços da federação de campo foi
ministrado por nós. Começou em 2009 e terminou em janeiro de 2010,
com 430 horas. Na época recebi uma carta de Joseph Blatter,
presidente da Fifa, dizendo que pensava sempre cursos para árbitros em todo o mundo nos moldes que fizemos em Brasília. Nesse curso oferecemos
disciplinas não somente voltadas à arbitragem, tivemos sociologia
do esporte; gestão de carreira; direito esportivo; e outras, que
foram ministradas por professores doutores da Universidade de
Brasília, além de termos trazido os importantes árbitros e
ex-árbitros do Brasil. Tivemos um rigoroso estágio prático, por observarmos que em muitos cursos o aluno faz estágio no campo e o
seu supervisor não está presente para orientá-lo nesse processo.
Como você faz um estágio e não tem ninguém para orientar? No
curso que realizamos isso era minuciosamente seguido, com orientação,
observação. Concluímos o curso e todos os formados saíram com uma
vantagem muito grande em relação aos que foram formados no modelo
convencional e vários estão atuando em nível nacional, e mais, com uma
formação profissional. Para entrarem, eles fizeram um
“mini-vestibular”, com provas física e escrita.
O
curso teve o reconhecimento de alguma federação?
O
curso foi feito em parceria com a Federação Brasiliense de Futebol
(FBF). Tínhamos de ter essa autorização e precisávamos desse
experiência inicial. Tivemos que mostrar que o ideal era fazer daquela maneira. A federação nos procurou,
desenvolvemos esse projeto e fizemos acontecer. Foi muito trabalhoso,
porque já existia toda aquela carga da cultura do futebol e tivemos
que modificar, como, por exemplo, a cultura do "jeitinho". Aqui o
curso foi levado muito a sério: Passou, passou. Não passou, não
passou.
É
complicado lidar com os gestores que aí estão?
Acabar
com os vícios desse modelo de gestão que ainda prevalece em nosso
meio esportivo é difícil. Por isso é que tenho esperança nos
jovens. Às vezes, a pessoa é até bem intencionada, mas se perde no
meio dessa maneira com que o esporte é gerido. Ele tenta fazer o
correto, mas não consegue. Já recebi pessoas aqui que querem adotar
as boas práticas, mas há situações em que, primeiro, eles não
têm qualificação profissional para tal; segundo, nesse ambiente
que é muito mais político que gerencial, eles não conseguem obter
êxito nas decisões.
Como
você vê o Boleiros, programa executado pela Secretaria de Esporte,
que custeia a arbitragem dos campeonatos amadores do DF?
O
programa Boleiros foi criado para atender uma demanda de interesses de
determinados grupos ligados ao futebol. Às vezes, aceitamos uma
ideia porque consideramos uma boa iniciativa e chegamos a dar apoio
para ela acontecer. Só quando está em execução percebemos
os erros. Se o Boleiros virar uma lei, esse recurso estará garantido
somente para esta atividade e a comunidade perderá o direito de usar
esse financiamento para ações muito mais relevantes no ambiente
esportivo.
No
início de 2015 a Secretaria de Esporte realizou uma audiência
pública, no estádio Mané Garrincha, e eu fiquei abismado com uma
situação. Uma pessoa se apresentou como o responsável pela
realização de competições de tênis no Iate Clube e falou
absurdos, porque não haveria recursos públicos para realizar esses
campeonatos. Uma pessoa realiza evento em um local elitista, que não
permite acesso à população em geral e tudo isso utilizando
financiamento público? Não dá pra entender. Isso não é obrigação
da Secretaria de Esporte e ela faz muito bem em não atender.
Para
você, como deveria ser?
O
Ministério do Esporte fez em 2013/2014 um diagnóstico do esporte
brasileiro, cujo resultado começou a ser divulgado. Mais da metade
da população brasileira não pratica esporte algum. Só que essa
visão é nacional. Como aplico isso no Piauí? Eu tenho os dados do
Piauí, mas são dados muito genéricos. Não são dados que permitam
a alguém desenvolver uma política pública para o esporte naquela
região. Portanto, acredito que o diagnóstico é algo muito
importante para começar o processo de gestão do esporte.
Assim,
precisamos começar a fazer aqui em Brasília um diagnóstico do
esporte específico de nossa capital. Quem financia o esporte no DF?
Quais são os passos, os requisitos, as normas para obter
financiamento? Quais as instalações esportivas que temos no DF?
Como é a acessibilidade dessas áreas? Quem gerencia? Está
disponível para a comunidade utilizar? Qual a infraestrutura que
temos, até mesmo para construir novos espaços para a prática de
esportes? Se não existe um parquinho para as crianças brincarem,
para estimular o movimento, como podemos querer que essas pessoas se
interessem pelo esporte, que venham praticar, que tenham suas vidas
voltadas a atitudes saudáveis, do movimento humano?
Danilo Figueredo, Kátia Sleide, Paulo Henrique Azevêdo, Alexsander Gomes de Azevedo. |
Existem
políticas públicas para o esporte?
Existem
os interesses, mas políticas públicas não há, porque para se
caracterizar como políticas públicas elas têm de ter todo um
respaldo social. Para isso, entendo que cada estado deveria iniciar
realizando um diagnóstico específico. Brasília, por exemplo, pode
fazer seu diagnóstico baseado no diagnóstico nacional. Aproveitaria
muita coisa. Diagnóstico é algo muito barato de ser feito e aponta a direção a ser seguida no desenvolvimento do esporte em uma sociedade.
Como
surgiu essa ideia do diagnóstico?
Se
eu não souber o que acontece no esporte do DF, não tenho como
desenvolver políticas públicas. Nós trabalhamos no diagnóstico do
esporte nacional. Há alguns anos converso com o Roberto Correia, que
é outro profissional da área de educação física, presidente do
Instituto de Desenvolvimento do Esporte – iGesporte, que as coisas
acontecem e a gente não sabe como. Falávamos muito do diagnóstico.
O primeiro foi realizado pelo professor Lamartine Pereira DaCosta,
em 1971. Naquela época, ele fez um trabalho fantástico, fenomenal.
Ele não tinha computador, não tinha nada. Tudo foi feito à mão,
com calculadora manual. Os gráficos eram feitos com régua, medido
em centímetro para fazer uma curva. Fez e foi importantíssimo o
trabalho que desenvolveu. Foi inspirador para essas pessoas que
decidiram por um novo diagnóstico.
Em um dado momento, ouvimos falar que o governo brasileiro
atual iria fazer um diagnóstico do esporte. Pensei: estão lendo
nossos pensamentos. Ficamos sabendo que um dos editais era sobre
legislação esportiva. Os demais não ficamos sabendo, porque tem
uns editais que aparecem e ninguém fica sabendo. Concorremos por meio do iGesporte e vencemos a licitação. Realizamos o trabalho relacionado à legislação esportiva brasileira e entregamos o relatório final ao Ministério do Esporte. Com as contribuições desse estudo está sendo construído o Sistema Nacional de
Esporte e que será encaminhado à Câmara Federal como um projeto de lei
para aprovação. Demos nossa
contribuição, porque acreditávamos no
diagnóstico muito antes de acontecer esse agora
Não
conversamos o diagnóstico do esporte a partir desse que aconteceu.
Fizemos questão de querer participar porque sempre acreditamos nisso.
E depois que atuamos, com os resultados que obtivemos, mais
ainda. A gente acha que, a partir do diagnóstico brasileiro, cada
estado tem de fazer um diagnóstico e cada município faz o seu
baseado no estadual. Se fizermos isso, aí, sim, o esporte no Brasil
pode um dia ser de alto nível. Todo mundo saberia o que está
acontecendo no Esporte, o que se deve mudar ou ser mantido. Existem
lugares no Brasil em que o esporte está muito bem.
Como
as lideranças esportivas podem usar o Gesporte?
Explorem
as possibilidades que a universidade oferece à sociedade. A UnB está aqui para isso. Fizemos um curso de
técnicos para sete países, com respaldo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Tínhamos que ter
esse respaldo e a garantia que o curso iria até o final. Mas o que
eles queriam fazer era cobrar a mensalidade de cada um que fizesse o
curso e esse valor alimentaria o custo do evento.
Só que aí, alguns atrasam, não pode pagar, e tudo desanda. Isso não
pode ser assim. Eles arrumam tanto dinheiro para fazer um monte de
atividades sem nexo e querem cobrar dos que querem se capacitar. Está errado.
Isso deveria ser uma ação social das federações. Uma solução é a parceria com a iniciativa privada. A seleção dos candidatos deve ser feita pela UnB,
pois isso não permite que entre uma pessoa que não tem condições,
mas por "indicação".
Existe
custo para se promover esse tipo de preparação?
Sim.
Tem um custo. É mais barato, porque a universidade é pública, mas
tem um custo, porque a Universidade de Brasília não possui recursos
para essas atividades. Mesmo com preço reduzido, essas instituições
que necessitam desses serviços não querem cobri-los. O que
aconteceu no curso de árbitro que fizemos? Foi uma ingenuidade
minha, porque nunca havia feito isso, então eu aceitei. Instrutores de futebol e
ex-árbitros não participam gratuitamente, eles têm de receber pagamento, o que é correto.
Somente os professores da UnB trabalharam nesse
sem receberem e deram a sua colaboração fora do
expediente. Mas houve atrasos e a gente teve dificuldades de pagar um
profissional que veio de fora. Não pode ser assim! E a federação
dizia que não tinha dinheiro. A partir de então não realizamos projetos para essas organizações se não houver garantia do recurso,
que é insignificante. Fazendo pela UnB, conseguimos reduzir uma série de custo.
Sem falar no quanto valoriza a federação, porque é a UnB, possui chancela de valor.
Para
você, a mudança está nas mãos dos jovens?
Os problemas só serão minimizados se a questão técnica for bem
resolvida. Minha expectativa é que quando a "meninada" que estamos
formando estiver na posição de tomar as decisões, a situação
comece a melhorar. Se a gente não formar profissionais para mudarem o que já
está aí, não evoluiremos. Somente com o tempo vamos conseguir
mudar isso.
Esse
modelo atual está acabado. Não é só no futebol. A gente fala de
futebol, porque recebe mais recurso. Algumas federações estão com problemas legais imensos e até criam uma nova instituição para resolver sua
situação. A cultura do jeitinho é que estraga. Só que essas organizações não conseguirão patrocínio público ou empresarial sem conseguirem resultados esportivos expressivos. No Brasil existe uma exceção de clube que não possui bons resultados atualmente,
mas tem patrocínio compatível com as suas necessidades. O São Caetano, cujo time está na Série D do futebol, tem patrocínio, é clube
empresa, é superavitário e o proprietário recebe
dividendos do seu investimento. Temos muito interesse em fazer um estudo com esse agremiação. A gestão qualificada, permite o cumprimento dos compromissos e gera lucro para a empresa (o clube). Isso é
um bom exemplo, pois o modelo de gestão dos clubes esportivos sociais comprovadamente não produz resultados positivos. O São Caetano possui passivo trabalhista reduzido, paga atletas e funcionários em dia. No caso do Brasil pode ser considerado uma excepcionalidade.
Veja a entrevista na íntegra no site www.viversports.com.br
ViverSports
• Brasília, quarta-feira, 28 de outubro de 2015 • Jornalista
Kátia Sleide
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