terça-feira, 22 de julho de 2014

Copa 2018: A bola está com a Rússia

CONTAGEM REGRESSIVA
Segundo especialistas, o comitê russo precisa ter cuidado para que problemas internos não tirem o brilho do evento
Joseph Blatter faz a entrega simbólica da Copa do Mundo para
o presidente Vladimir Putin. Russos prometem
fazer o Mundial  mais caro da história.
O apito final do árbitro italiano Nicola Rizzoli no jogo entre Alemanha e Argentina, no último domingo no Maracanã, celebrou a vitória da seleção europeia, mas também marcou o início da contagem regressiva para a realização da Copa do Mundo de 2018. Muito além da construção de arenas, fora dos campos os desafios da Rússia, nos próximos quatro anos, não são poucos. Eles ultrapassam as fronteiras dos gramados de futebol e confrontam questões sociais, políticas e econômicas do país.
A euforia russa de recepcionar a sua primeira Copa deve trazer à tona toda a polêmica que envolve a organização do maior evento esportivo internacional. Com um futebol atualmente inexpressivo, a julgar pela fraca atuação da seleção no último Mundial, a Rússia promete superar o desempenho nos gramados realizando o torneio mais caro da história. Segundo o premiê Dmitry Medvedev, os gastos podem chegar a US$ 20 bilhões ­ muito embora críticos acreditem que o valor possa crescer exponencialmente.
O espetáculo esportivo sediado em 11 cidades escolhidas estrategicamente é visto pelos especialistas como uma oportunidade de o presidente Vladimir Putin mostrar para o mundo o desenvolvimento russo e a superioridade tecnológica do país. "Putin usará o esporte como uma máquina de divulgação de seus ideais e em benefício de toda a estrutura que eles criaram no país", avaliou o coordenador do Laboratório de Pesquisa sobre Gestão do Esporte da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Henrique Azevêdo.
Fora de campo, o líder do Kremlin precisa ter cuidado para que sua conduta política e os problemas internos do país não tirem o brilho do evento como ocorreu em Sochi, por exemplo. Os Jogos Olímpicos de Inverno revelaram casos de corrupção, nepotismo e superfaturamento na Rússia, além de ter ressaltado o histórico ponto fraco do país em termos de democracia e direitos dos homossexuais.
O mestrando em Ciência Política pela Escola Superior de Economia de Moscou, Vicente Ferraro, acredita que um dos principais desafios da Rússia na preparação para o Mundial é a necessidade de se combater a corrupção e desburocratizar a administração pública a fim de diminuir os gastos com o evento e maximizar a eficiência da organização. Do ponto de vista social, ele também alerta para a importância de se coibir o racismo promovido por grupos minoritários e a atuação de grupos separatistas e extremistas religiosos. "Seria um verdadeiro escândalo em plena Copa do Mundo alguém jogar uma banana no campo. A Rússia deve combater o racismo de maneira mais atuante. Um eventual atentado terrorista poderia minar a realização do jogo", considerou.
De fato, a ameaça de terrorismo durante a competição preocupa o comitê russo. Por causa disso, não haverá jogos nas localidades do Cáucaso, no norte da Chechênia e Daguestão, regiões que são foco da insurgência islâmica.
Crise ucraniana
Ainda segundo Ferraro, as tensões atuais da Rússia com a Ucrânia poderão prejudicar a realização da Copa do Mundo caso o Ocidente decida boicotá-­la. "Se houver novamente alguma intervenção russa no espaço pós-­soviético, um boicote de seleções europeias será bem provável. Mas Putin é um bom estrategista e sabe calcular os limites e as consequências de suas ações", observou o especialista.
Sobre a possibilidade de protestos contra a conduta do presidente russo, os especialistas acreditam que, mesmo que ocorram, as manifestações não vão ofuscar o brilho do evento no país. "Há fortes possibilidades de que ocorram movimentos de protestos em relação à Copa, como houve no Brasil. Provavelmente, não afetarão o andamento da competição devido às medidas de segurança tomadas, mas podem movimentar o jogo político interno do país", avaliou o professor de História da Universidade de São Paulo e autor do livro "Os Russos", Angelo Segrillo.
Experiência
O historiador acredita que a Rússia conta com uma boa base para realizar estes tipos de eventos, pois é herdeira da União Soviética, que era uma superpotência também no campo esportivo. "Como herdeiros da União Soviética, uma economia planejada, os russos costumam ser bons nessa coisa de planejamento e cumprimento de prazos", opinou.
Tradição russa ajudará na organização do Mundial 
O comitê russo afirmou que quer aprender com os erros do Brasil a fim de evitar equívocos e críticas sobre a organização do Mundial de 2018. Apesar de boa parte das 12 arenas que vão sediar os jogos ainda estarem em construção, a ordem é que todas fiquem prontas até 2017, quando será disputado o evento­teste Copa das Confederações.
O coordenador do Laboratório de Pesquisa sobre Gestão do Esporte da UnB, Paulo Henrique Azevêdo, avalia como um ponto a favor do comitê russo na corrida contra o tempo o privilégio de o país já possuir uma estrutura herdada de outros eventos esportivos. O Estádio Olímpico de Fisht, em Sochi, recebeu as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Olímpicos de Inverno, em fevereiro, e a Arena Kazan sediou a Universíade, em 2013. "Os russos já vêm se preparando algum tempo para a Copa. Ao contrário do Brasil, que praticamente teve de construir 12 estádios do zero, a Rússia parte com uma estrutura já montada", avaliou Azevêdo.
Para facilitar os deslocamentos, o governo deve implantar vias férreas de alta velocidade, tarefa que poderia contar com a ajuda de outros países como Alemanha e Espanha, que possuem tecnologia avançada nesse setor. Azevêdo acredita que a medida vai contribuir para uma maior participação dos europeus no evento.
"No que diz respeito à organização, os russos não terão problema algum, já que têm tradição de realizar eventos de grande porte. Do ponto de vista de infraestrutura, não há muito o que ser construído ­ eles dispõem de excelente rede ferroviária e aeroviária. Melhorias podem ser feitas, é claro, mas não seria tão impactante quanto teria sido no Brasil", avaliou o cientista político Matheus Passos.
Fim da 'russofobia'
O governo russo também pretende importar a atmosfera do Brasil em 2018. Para os especialistas, o investimento na hospitalidade é uma boa oportunidade de melhorar a imagem do país diante do mundo e pôr fim à "russofobia", rompendo tabus e estereótipos.
Um exemplo positivo seria preparar o povo para uma receptividade cordial como a do brasileiro durante", disse o historiador Angelo Segrillo.
"Os russos têm um senso de centralidade muito grande, que, muitas vezes, faz com que não se relacionem bem com estrangeiros. Assim, creio que essa abertura a novas formas de ver o mundo será o principal legado social", acrescentou o cientista político Matheus Passos.
Diferenças culturais não serão barreira 
Os russos sabem organizar um espetáculo esportivo e, apesar da crença popular, a Copa de 2018 não será um evento frio. Segundo os especialistas, fatores como o idioma, o clima e o próprio comportamento do povo não devem comprometer o brilho do evento. "Em termos de distâncias, o Brasil foi um exemplo de que esse fator não impede o torcedor de prestigiar sua seleção nacional. Em relação ao clima, a Copa ocorrerá em junho e julho, época do verão", explicou o cientista político Matheus Passos. A cearense Flavia Cunha, que mora em Kursk, a 500 km de Moscou, diz que a comunicação com os russos ainda é um pouco difícil por conta do idioma. Ela recomenda que os torcedores pratiquem o inglês, já que os russos têm um conhecimento razoável desta língua. Quanto ao povo, a estudante de medicina é só elogios: "uma vez que se tornam amigos, são companheiros leais e solícitos para sempre".
Reportagem publicada no jornal
DIÁRIO DO NORDESTE
domingo, 20 de julho de 2014
Caderno Jogada
Jornalista - JULIANNA SAMPAIO

Nenhum comentário: