quarta-feira, 7 de março de 2007

A gestão profissional do esporte

Paulo Henrique Azevêdo

No Brasil, se o profissionalismo avança nas relações de trabalho entre patrões e empregados nas atividades esportivas, questiona-se se essa assertiva é verdadeira na gestão do esporte, em todos os níveis e tipos de organizações. Se as legislações avançaram, o mesmo não se pode dizer de suas aplicações e na competente utilização dos recursos para a consecução dos objetivos sociais a elas vinculados.

Segundo Stauffer (2003), tomar uma decisão com base em experiências anteriores implica em numerosas armadilhas, mas se não se levar em conta nenhuma experiência, os riscos são ainda maiores. Esse autor afirma que existe uma tendência humana de se fiar demais nas experiências anteriores, buscando ajuda para as decisões de hoje, nas decisões tomadas em situações que parecem análogas. Ocorre que situações anteriores podem ser bastante diferentes em aspectos fundamentais, o que poderá produzir resultados diferentes daqueles observados na primeira ocorrência.

As legislações buscam prever um conjunto de medidas que regulam, de maneira equânime, o bom funcionamento da sociedade. No que se refere à oferta de atividade física e de lazer, não é diferente. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 217, aborda especificamente o assunto:

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“Capítulo III

Da Educação, da Cultura e do Desporto

Seção III

Do Desporto

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados:

I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto à sua organização e funcionamento;

II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária para o desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e não-profissional;

IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

Parágrafo 1º ...

Parágrafo 2º ...

Parágrafo 3º O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social".

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Para atingir os objetivos da legislação, além de recursos econômico-financeiros, são requeridos recursos humanos com preparo específico e experiência para a detecção das reais necessidades do público a ser atingido e conhecimento dos melhores procedimentos para que os serviços previstos cheguem aos usuários e com a melhor eficiência possível.

Os conceitos de administração e profissão

Segundo Teixeira (1984), administrar é multiplicar os seus esforços através de outros. É um processo que cria um efeito sinérgico, onde o todo é maior do que a soma das partes. Assim, administrar é planejar, organizar, dirigir e controlar as atividades de outras pessoas, ou subordinados, para atingir ou ultrapassar objetivos definidos.

Sob um prisma de síntese, Capinussú (1979) conceitua administração como uma tarefa que possibilita alcançar os objetivos previamente definidos com maior eficiência, ou seja, com menor dificuldade e maior rapidez.

O nascimento de uma profissão está diretamente ligado ao seu aparecimento no mercado, embasado em atividades específicas a determinadas áreas que paulatinamente vão se agregando e dando corpo àquelas tarefas dentro de um determinado modelo, até atingir uma maturidade que lhe dá o grau de profissão.

Profissão "pressupõe o desenvolvimento de uma atividade continuada em favor de terceiros, com finalidade de obter ganhos. Exprime uma realidade social, eis que a atividade é socialmente aceita (COSTA, 1987) ". Palavra de origem latina (professio), significando "o ato ou efeito de professar [...] atividade ou ocupação especializada, da qual se podem tirar os meios de subsistência; ofício (FERREIRA, 1999). O administrador, como profissão, resume um significativo papel nas organizações contemporâneas com características fundadas na burocracia. Atua basicamente como gestor de programas e pessoas e, portanto, sendo parte integradora dos processos produtivos e de prestação de serviços. De modo especial e não menos importante, atua como agente de mudanças organizacionais, o que permite inferir que, grande parte do alcance dos objetos dessas organizações depende da qualificação profissional do administrador. A idéia de que vivemos num mundo organizacional, amplia exponencialmente esta questão.


Gestão amadorista e gestão profissional

Gestão amadorista do esporte é aquela em que o paradigma é a entidade sem fins lucrativos e sua administração é voltada para dentro, o que significa a prevalência dos problemas administrativos sobre as oportunidades de mercado (adaptado de MELO NETO, 1998).

Na gestão profissional o processo de planejamento e desencadeamento de ações é predominantemente voltado para fora, onde as ações estratégicas mais importantes concentram-se no mercado (adaptado de MELO NETO, 1998).

O quadro seguinte propõe uma comparação entre os dois modelos de gestão..

Quadro – Comparação entre as gestões amadorista e profissional

Gestão amadorista

Gestão Profissional

1.

Predomínio dos interesses de um grupo sobre os da totali­dade.

1.

Predomínio da visão estratégica, da busca de resultados.

2.

A visão dos componentes do grupo interno como principal público-alvo.

2.

Visão dos receptores dos serviços como segmentos de mercado.

3.

Ênfase no fortalecimento interno do “grupo”.

3.

Ênfase na busca de parceiros e investidores.

4.

A direção não é remunerada ou a remuneração não é compatível com a competência profissional exigida e, por­tanto, não centrada em resultados.

4.

A direção é remunerada e, normalmente, bem remune­rada, portanto, cobrada em termos de resultados.

5.

Estrutura departamentalizada por funções tradicionais, voltadas para o gerenciamento das atividades.

5.

Estrutura divisional/corporativa voltado para o gerencia­mento das diversas atividades institucionais.

6.

Ênfase no "estatuto" como fonte de decisão no processo de gestão.

6.

Ênfase na elaboração e implantação de "novos projetos de detecção de necessidades” como fonte de decisão no processo de gestão.

7.

Alto poder de influência dos "conselheiros" que represen­tam a força da decisão.

7.

Alto poder de influência dos "gerentes profissionais" que representam a força do conhecimento e a profissionali­zação.

8.

Vigência do paradigma da "entidade sem fins lucrativos".

8.

Vigência do paradigma da "busca de resultados".

9.

Estreita vinculação com os "componentes do grupo" e a administração voltada para dentro.

9.

Estreita vinculação com o "mercado" e a administração “voltada para fora”.

Fonte: adaptado e modificado de MELO NETO (1998).

Competência relacional e a administração profissional

O incremento de valor a uma coisa que, até pouco tempo não possuía valor, é denominado competência relacional; é uma atividade que garante a sobrevivência da organização (Anotação realizada na aula da disciplina “Tópicos Especiais: Marketing-Logística”, Professor Guillermo Asper, no Mestrado em Administração da Universidade de Brasília, em 06/04/2000). Usando-se a competência relacional, cria-se uma malha de apoio, onde a estrutura fica tão boa, que se mantém mesmo em desastre. Assim, é necessário realizar uma mudança conceitual e passar a “enxergar” relevância em atitudes, produtos e serviços que, anteriormente, não tinham importância.

Segundo Ching (1997), novos enfoques na gestão de custos buscam reduzir o tempo dos processos; maior qualidade dos relatórios gerenciais com riqueza de informações e integração com os demais sistemas da companhia; menor ênfase nos controles sem grandes objetividades e que não agregam valor ao Cliente; maior ênfase e recursos na questão de suporte para as decisões, com análises e informações sempre que solicitadas e não apenas obedecendo a ciclos rígidos de tempo; e atenção voltada para a tomada de decisão com olho no futuro, sem a dependência de busca de análises históricas.

A competência relacional é o componente despertador da consciência empresarial e que desencadeará um processo que, se bem planejado e executado, conduzirá a um adicionamento de valor ao cliente. Isso pode ser comprovado pela criação de uma cadeia de valor no processo que, por si só, demonstra a veracidade da afirmativa. Deste modo, não se almeja a competência relacional como um fim em si mesma, mas sim como um fator desencadeador de um processo sistêmico que conduzirá ao atingimento do maior de todos os objetivos empresariais, que é o de manter o foco no cliente para agregar-lhe mais valor em todo o processo e durante todo o ciclo de vida deste relacionamento.

Para Christopher (1999), para criar competência relacional e agregar valor para o cliente, é necessária a inclusão de alguns ingredientes:

  • Inicialmente, uma mudança de postura, a partir do entendimento da extrema relevância da agregação de valor para o cliente, o que é elemento vital, principalmente no atual modelo globalizado;
  • A participação em uma cadeia de suprimento que se caracterize como sendo uma cadeia de valor;
  • Realização de alianças estratégicas cooperativas e duradouras;
  • Comprometimento e prática de atitudes inovadoras no mercado;
  • Realização permanente de benchmarking;
  • Promoção de um poderoso e verdadeiro marketing de relacionamento visando detectar as necessidades e desejos do cliente, de maneira a criar um micromercado que possibilite atendê-lo de maneira satisfatória, prazerosa e interativa.

Dessa forma, a competência relacional adicionará valor ao cliente e poderá se constituir em ferramenta importante na gestão competente de uma organização.

A evolução na administração esportiva

Com a implantação da Lei Pelé e dos outros instrumentos legais que a alteram, passa a haver a exigência de que a administração do sistema desportivo profissional seja modificada. Até agora, todos os clubes vinham sendo administrados como sociedades sem fins lucrativos.

A Lei nº 6.251, anterior à Lei Zico, era muito voltada ao esporte amador; só havia um ou dois artigos que falavam sobre o esporte profissional. A legislação já vinha com um vício de origem, montada nos moldes de um sistema parlamentarista: os sócios elegiam o Conselho, que, por sua vez, elegia o presidente.

Para Melo Neto (1998), o equilíbrio entre receitas e despesas é o melhor indicador de avaliação do processo de gestão de um clube. Quando há superávit – as receitas sendo superiores às despesas –, verificam-se indícios de que o clube esteja sendo bem administrado. Quando as despesas superam as receitas, há déficit, o que é sintoma de má gestão dos negócios do clube.

Ao se analisar o perfil das despesas dos clubes esportivos brasileiros constata-se um modelo-padrão de administração ineficiente, cujas principais características são apresentadas no quadro abaixo.

Quadro 1 – Indicadores financeiros de má gestão de um clube

Grande volume em impostos a pagar;

Grande volume de dívidas referentes a contribuições previdenciárias;

Elevado passivo trabalhista (ações trabalhistas);

Débitos com fornecedores;

Empréstimos bancários.

A tendência quase sempre é a de crescimento no processo de evolução da dívida. A cada ano a dívida cresce no mínimo de 20 a 30% .Adaptado de Melo Neto, F. P. de. Administração e marketing de clubes esportivos. Rio de Janeiro: Sprint, 1998, p.52.

O cliente e a administração esportiva

O bem mais valioso de qualquer organização empresarial é a força de seu relacionamento com os clientes. Para Christopher (1999), por cliente entende-se o indivíduo ou empresa que de fato compra o produto, diferentemente do consumidor. Ele não compra produtos, mas sim benefícios. Assim, o valor para o cliente é criado quando as percepções dos benefícios recebidos em uma transação superam os custos totais de propriedade. O custo total de propriedade é o preço acrescido de custos que existem na maioria das transações, tais como aqueles provenientes com estoque, manutenção, processamento, baixa de estoque e outros. Sendo uma sensação, o valor para o cliente depende extremamente do conjunto de impressões oferecidas pelo vendedor ao longo e após o processo de vendas realizado.

O cliente torcedor é o princípio de tudo, o ponto de partida para a construção de uma estrutura lógica que ajuda a compreender e administrar o negócio esportivo, sendo o elemento chave na constituição dos principais relacionamentos comerciais das organizações de futebol. Na “paixão” pelos clubes e seleções nacionais é que se baseia o relacionamento de longo prazo, fundamental para a perenização dos clubes esportivos enquanto empresas. O futebol funciona no mundo inteiro como a melhor forma de dar às pessoas uma identificação: seja pela origem do clube – como no Brasil, o Vasco da Gama foi fundado por portugueses –, ou porque cada clube não é objeto de compra ou venda, o que o torna preso a um lugar, reforçando o laço de identificação. Os torcedores não mudam: podem trocar de esposa, de cidade, mas, jamais de time (Adaptado de AIDAR, OLIVEIRA e LEONCINI, 2000)

Considerações

A constatação do amadorismo ou profissionalismo da gestão esportiva carece de uma análise detalhada das organizações a serem observadas.

Independentemente desta tarefa técnica, o que se observa, fundamentalmente na gestão dos clubes de futebol brasileiros é a predominância de características amadoristas, com algumas iniciativas de reversão deste quadro.

Situação semelhante é encontrada, também, na gestão de clubes de outras modalidades esportivas, assim como em federações (em nível estadual) e confederações (em nível federal).

Torna-se indispensável, inicialmente, conscientizar esses dirigentes, quanto aos seguintes fatores, dentre outros:

  • Necessidade de gestão profissional, para os sucessos esportivo e financeiro de suas instituições;
  • Capacitação dos quadros dessas organizações para a grande e vital transformação a ser implantada; e
  • Ações práticas, de competência comprovada, para o alcance dos objetivos traçados pelas organizações.

Referência bibliográfica

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico – Século XXI, Versão 3.0, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

STAUFFER, David. Fuja das armadilhas do passado. Harvard Management Update, São Paulo, n. 5, mar./abr. 2003, p. 1, 3-5.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO: REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. – Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988, 292 p.

MELO NETO, Francisco P. de. Administração e marketing de clubes esportivos. Rio de Janeiro: Sprint, 1998, 164 p.

TEIXEIRA, Octavio. Educação Física e Desportos - Administração. Brasília: MEC, 1984, p. 22.

CAPINUSSÚ, J. Maurício. Teoria Organizacional da Educação Física e Desportos. São Paulo: Ibrasa, 1979, p. 17.

COSTA, José Rubens. Profissões liberais - autonomia; uma análise da profissão e do conselho dos administradores. Rio de Janeiro: Florence, 1987.

CHING, Hong Yuh. Gestão baseada em custeio por atividades = ABM – Activity Based Manegement. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997, 147 páginas.

CHRISTOPHER, Martin. O Marketing da Logística: Otimizando processos para aproximar fornecedores e clientes. São Paulo: Futura, 1999, 220 páginas.

AIDAR, Antonio Carlos Kfouri, OLIVEIRA, João José de, LEONCINI, Marvio Pereira. A Nova Gestão do Futebol. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 53.

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